Por Ernesto Falcón

 

O sucesso que levou a Associação Mundial de Críticos a reconhecer o Balé Folclórico da Bahia como a melhor companhia do planeta é resultado de muita dedicação, disciplina, perseverança e determinação. Muito suor e exercício diário ao longo de duas décadas e meia de trabalho. Além de muito talento, é claro.

 

Diferentemente de outras companhias de dança, o BFB já nasceu focado na ideia da profissionalização, como meio de sobrevivência através da arte. O que a princípio poderia ser apenas uma companhia voltada para o trabalho artístico e cultural logo evoluiu para um projeto que tivesse também o seu lado social.

 

Isso porque, desde o início a formação do corpo de bailarinos contava com a presença de pedreiros, mecânicos, pintores, trabalhadores que de dia pegavam no pesado e pela noite transformavam-se em estrelas. Não era tarefa simples sustentar um balé com cerca de 60 pessoas, entre músicos, bailarinos, figurinistas e equipe técnica.

 

Pessoas que associavam o trabalho artístico com a necessidade de sobrevivência material. O desafio impunha uma profissionalização imediata. Talvez esse tenha sido o diferencial e a motivação para o grande salto do BFB. A compreensão de que vencer era absolutamente indispensável. E não era uma coisa fácil. Mas veio o salto, trazido pela competência e profissionalismo do grupo. As conquistas foram se sucedendo, passo a passo, espetáculo a espetáculo.

 

Vieram os primeiros prêmios. O BFB se firmou em meio a um contexto que exigia excelência. Se promovendo e promovendo seu elenco ampliou sua presença em círculos concêntricos. Se projetando por onde se exibia, sempre surpreendendo, chamando a atenção da imprensa e da crítica especializada.

 

Um fato, talvez, explique essa receita vitoriosa de público: o encontro da força expressiva da cultura popular com uma orientação estética sofisticada da direção da companhia. Embasada numa leitura antropológica da arte, numa leitura refinada da cultura popular e embalada pela criatividade da linguagem artística da dança. Isso explica o reconhecimento de público obtido pela companhia.

 

Essa percepção crítica da realidade foi que levou Vavá Botelho, assim que a sede do BFB no Pelourinho começou a funcionar, a pensar junto com o seu diretor artístico, José Carlos Santos (Zebrinha), em incorporar à companhia uma escola de preparação de futuros bailarinos. No bairro negro do Pelourinho, repleto de meninos e meninas de rua, muitos dos quais sem quaisquer atividade durante o dia, Vavá e Zebrinha decidiram apostar no trabalho sociocultural: “Os meninos de rua não permitiam que nós trabalhássemos normalmente. Gritavam, atiravam pedras, faziam de tudo para atrapalhar o andamento das atividades dos ensaios. Então, pensamos: porque não trazer esses meninos para ver o nosso trabalho?”

 

Daí em diante, como numa divisão de base do futebol, se formou a companhia de juniores do Balé Folclórico da Bahia. Meninos e meninas de rua revelados no tablado e logo alçados à condição de artistas de qualidade. Atualmente, são mais de 300 crianças atendidas pelo projeto com aulas de balé moderno, balé clássico, dança afro, dança contemporânea e ginástica rítmica. Duas horas diárias de estudo durante três dias da semana. Tudo sob avançada orientação pedagógica que desperta na molecada a consciência identitária e suscita a descoberta do mundo através da dança e da arte. E mais: abre um novo horizonte e novas perspectivas para garotos e garotas iniciarem uma vida nova.

 

“Quando eles saem do BFB, eles partem para atuar como profissionais de dança moderna e com super sucesso, porque eles têm um diferencial que é a técnica da dança afro brasileira que muitos dançarinos não têm”, destaca o diretor artístico da companhia Zebrinha.

 

A dimensão social do trabalho não é aspecto secundário no projeto. Tem um sentido essencial. “Eu adentrei a um portal. Passei a cumprir uma missão de vida que me foi destinada. É o que tenho feito com o esse trabalho que não é só artístico, mas que está muito ligado à questão social. De promoção do ser humano e que terminou sendo a base de nossa companhia. Sem o trabalho social, a companhia não existiria”, assegura Vavá Botelho.

 

De fato, centenas de meninos e meninas de rua que hoje se encontram na escola preparatória, e que muito provavelmente estariam em situação de risco e vulnerabilidade social, caso não tivessem essa oportunidade, vivem no corpo e na alma uma mudança em profundidade. Muitos brilham pelos palcos do mundo.

 

Outros ascenderam para o corpo principal do BFB, tornando-se astros da dança. Todos os anos, esses novos talentos emergem no Pelourinho, bem no centro da praça onde muitos negros gemeram no tempo da escravidão açoitados no tronco de madeira que deu nome ao bairro colonial. A arte e a dança fizeram assim as mudanças de que são capazes, transformar meninos de rua em grandes artistas, mostrando, na prática, como santo de casa também faz milagre e do que a arte é capaz

 

Festival de Divindades Negras – Lomé, Togo